Em que lugar mora um sorriso?
- bethsmorais
- 3 de fev.
- 2 min de leitura
Atualizado: 24 de mar.

Conheci Laura. Mulher negra, de meia-idade, olhos tristes e lábios cerrados. Todos os dias, por volta das 17 horas, ela entrava pela porta do quarto. Enquanto a minha mãe esteve hospitalizada, Laura era a responsável por recolher o lixo. Seu olhar sempre desviava do nosso e seu “boa tarde” quase nunca acontecia. Era como se não quisesse estar presente.
Sempre que a via, pensava o quanto, provavelmente, não gostava de estar ali, cumprindo a sua função. Quem sabe, poderia se sentir melhor, realizando outro serviço. Do lado de cá, como familiar de alguém que está internado, só refletia que, em um ambiente naturalmente de medo e insegurança, necessitávamos de pessoas afáveis. Mas, logo entenderia que, só podemos ofertar aquilo do que estamos preenchidos.
Dias passavam e Laura percorria o mesmo trajeto. Abre a porta. Recolhe lixo. Fecha a porta. Porém, na véspera de a mãe ter alta, conheci o seu sorriso. Enquanto realizava sua rotina, e eu dava o lanche para mamãe, pude ouvir alguém lhe perguntando como se sentia. Pousou o saco de lixo no chão e disse o quanto estava difícil viver sem o seu filho. Meu coração disparou. Como assim, sem seu filho? Sim, o seu caçula havia sido assassinado e ela estava tentando conviver com sua ausência. Nesse instante, me virei e, pela primeira vez, nossos olhos se cruzaram.
Atravessei o quarto, me aproximei e, ao segurar em sua mão, estabeleceu-se uma relação de cumplicidade. Ela me contou como tudo aconteceu. Pegou o seu celular e, com uma foto, me apresentou ao seu filho. Um rapaz de 29 anos, pai de um menino de 8. Aqui, seu sorriso foi umedecido por suas lágrimas. Segurava o seu celular como quem segura um filho. Com tanto carinho, apreciando cada detalhe da imagem! Sorria como uma mãe que, temporariamente, esquece do seu luto.
No entanto, subitamente, guardou o celular, enxugou as lágrimas e disse que não poderiam ver que estava chorando. O seu local de trabalho não permitia choro em público. Pedi que ficasse no quarto até que o pranto da sua dor se acalmasse. Disse-me que os outros quartos não esperariam suas lágrimas secarem. Abraçamo-nos. Ela pegou a sua vassoura, abriu a porta, cerrou os lábios, “apagou” os olhos e voltou para sua coleta de lixo.
Com esse episódio vi reacender em mim a voz sobre a necessidade de se criar um ambiente e cultura de escuta nas relações diárias, seja na rotina pessoal, seja nas empresas. O quanto é urgente entender e respeitar as dores humanas e, pois assim, poderemos descobrir "em que lugar mora um sorriso".
Abraço fraterno.
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