O que me disse João-de-barro
- bethsmorais
- 2 de out. de 2024
- 2 min de leitura

Conheci o João. Isso mesmo. O João-de-barro, uma ave popularmente considerada comum, trabalhadora e inteligente. Deitada na grama, observei o seu ninho. João era marrom e pequenino. Tinha o peito estufadinho, de coloração mais clara, com postura altiva e olhar que fitava o horizonte.
Com uma impetuosidade prepotente, logo o questionei: “João, o que teria feito você decidir construir o seu ninho em lugar tão sem vida? Tudo parece tão seco, sem folhas e sem flores”. Mas, ao perceber que estava me lançando para o lugar do julgamento, pedi desculpas e resolvi então conhecer melhor o João.
Iniciamos uma boa prosa e ele, calmamente, disse-me que é através de uma sabedoria instintiva que todo casal da sua espécie busca locais descampados para a construção do seu ninho. Esses locais se tornam mais seguros, pois, estrategicamente, a partir deles, as aves conseguem observar possíveis invasores se aproximando. Entendi, então, sua postura e olhar atento.
Essa construção de arquitetura delicadamente desenhada é realizada em equipe, e começa quando esta escolhe cuidadosamente uma matéria-prima que ofereça conforto e estabilidade.
Fiquei sabendo que cada ninho tem o prazo máximo de entrega de 18 dias e, para transportar toda a matéria-prima, são necessárias centenas de viagens que exigem das pequenas aves muito esforço, dedicação e habilidade. Entretanto, engana-se quem pensa que constroem um ninho por vez, contou-me João. Como não querem ser surpreendidos por imprevistos, fazem um estudo de área e constroem vários, só por garantia.
Agradeci pelo nosso encontro e por sutilmente me apresentar a um mundo real, onde os instintos são levados em consideração, as relações são colaborativas, a estratégia é necessária e nada acontece sem esforço. E claro, por puxar a minha orelha:
– Menos julgamentos, por favor!
Despediu-se de mim e partiu em voo resoluto. Precisava garantir os últimos detalhes para findar mais um ninho. Ao observá-lo cortando o ar, aprendi sobre o quanto existem mundos com dimensões absurdas e quão pouco paramos para apreciá-los.
Ao pensar sobre em qual direção depositamos o nosso olhar e o nosso sentir, percebo quantas provocações e possibilidades deixamos de experimentar por não ousarmos sair da segurança do superficial, do automático e do conhecido. E por que não se dispor a um diálogo, em um encontro pouco provável? Que me diga o João-de-barro.
Abraço fraterno.
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